segunda-feira, 8 de junho de 2015

Trail dos 4 Caminhos....A montanha russa em lume brando...

Não posso dizer que não sabia para o que vinha. Já tinha feito o trail longo o ano passado, sabia das subidas e do terreno muito técnico e as previsões do tempo estavam espalhadíssimas na net. Também sabia que as três noitadas seguidas do Primavera Sound iriam deixar a sua marca, mas não queria saber...a vida são só dois dias, um já passou e o que falta é para agarrar com unhas e dentes, saboreando ao máximo de cada segundo, nem que seja a doer...e este trail tinha tudo para doer...


 
Confesso que virei os olhos quando vi a altimetria, que nem fiz conta à quantidade de subidas e que disse para mim mesmo: "seja o que Deus quiser, vou atrás da malta, mentalizado para me colocar em piloto automático quando a cabeça começa a desligar..". Começar um trail destes à meio da manhã, entrando quase desde o início no pico do calor, iria fazer vítimas. Houve quem dissesse que não devia ter levado a mochila com água, que os abastecimentos eram mais do que os suficientes, que o litro de água às costas só era peso à mais e que ia morrer de calor embrulhado na mochila. Tenho a quase certeza que quem me disse isso, engoliu em seco, e muito seco estas palavras e até acredito que tenha sido já antes do primeiro abastecimento.
Lá em casa, quando era miúdo, o almoço era servido ao meio dia e meia. A minha mãe sempre me disse: "Quem estiver está, quem não estiver, que estivesse". Não percebi a espera de centenas de atletas por meia dúzia de atrasados. À hora da partida, já todos estávamos com aquele ar de bronze e com o suor a escorrer pela cara e costas abaixo...foi só o princípio de muita e muita suadela...
Os usuais entupimentos depois da entrada em single track logo no primeiro quilómetro, não atrapalharam demasiado, tinha-me proposto fazer as coisas nas calmas, convencido que algures no percurso iria pagar pelos excessos das noitadas anteriores. Não sei se foram a dupla dose de cafeína antes do trail ou os vestígios de álcool da noite anterior, mas senti-me lindamente. Fui correndo monte acima, monte abaixo com uma facilidade tremenda, brincando com o Jorge que mais tarde confessou que lhe passou pela cabeça abandonar por não conseguir acompanhar-me. E competitivo como o Jorge é, é preciso muito para chegar à tal ponto. No espírito da mesma brincadeira e graças à mochila recheada, resolvi nem parar no primeiro abastecimento, obrigando o Jorge à esforço redobrado para me apanhar novamente...pois é Jorge, o Belga é tramado...
Lembro-me do tempo em que hesitava molhar as sapatilhas. Hoje adoro procurar as poças e chapinar-me todo só pelo gozo de ficar todo porco. O trail dos 4 caminhos não podia ficar de fora da tradição portuguesa e tivemos direito à água, água e mais água e se houvesse mais, mais jeito teria dado. Fomos passando pela montanha russa, com subidas ingremes, umas mais e outras menos expostas, descidas muita técnicas do estilo à que esta serra já nos tinha habituado o ano passado e muito...muito calor. Foi gerir esforço, água e passando de abastecimento em abastecimento. Tal como esperado, os excessos das noites anteriores, o calor e o próprio percurso em si, deixaram a sua marca. A partir do quilómetro quinze, foi gerir ainda com mais cuidado e tentar guardar algum fôlego para o sorriso na meta. Porque um trailer que se preze, tem que entrar triunfante com sorriso de orelha a orelha para o fotofinish e com ar de quem fez aquilo tudo com uma perna às costas. E hoje tinha que ser mesmo, nem que fosse para chatear o Jorge...

 
Deve ter sido a partir dos últimos seis ou sete quilómetros que nos começamos a cruzar com os caminhantes e alguns perdidos do trail curto. Desta vez, vi poucas caras de admiração, ouvi poucas palavras de incentivo ou gargalhadas. Vi muito desespero, gente encostada e com ar de querer desistir. Hoje fomos nos, os malucos do trail longo que fomos incentivando os caminhantes, dando força, juntamente com os muitos voluntários da organização nos últimos quilómetros...senti ali um ligeiro sentimento à arrependimento por terem iniciado as várias provas à meio da manhã... 

Se foi duro? Pois foi. Se gostei? Claro que gostei, mas sou suspeito. Gostei da escolha do percurso que teve tudo do ano passado e muitíssimo mais, até gostei do calor, porque é esta dureza que nos fica na memória e que nos traz aquela sensação de dever cumprido. Gostei sobretudo do verdadeiro espírito do trail, do companheirismo, do sofrimento em conjunto e dos muitos amigos que hoje resolveram fazer este trail tão pertinho de casa. E como não podia faltar, gostei da sessão de alongamentos da Nilza, das palhaçadas do T e do Jorge, das cervejas com o João e o resto da malta, de ter encontrado a Graça no monte, da receção da Ana, da Manuela e do Zé. Olha, pronto, gostei e para o ano lá estarei outra vez!
 
 


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